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a história de Neguinho, o ‘caçula’ da Seleção de futsal – LNF

Sem entender o que poderia estar acontecendo com seu filho de apenas três anos, Eliane Maria da Silva Alves estava bastante preocupada. Seu pequeno João Victor começava a apresentar uma dificuldade de mobilidade, com seus pés contorcidos, sem que houvesse uma lesão aparente. Quando saíram do hospital, o menino estava com os pés imobilizados, numa medida preventiva. O diagnóstico é que ele estava passando por uma crise emocional.

Neguinho segue brilhando em sua primeira Copa. | Foto: FIFA

Esse garotinho hoje fala à FIFA na condição de jogador da Seleção Brasileira, com quatro gols anotados rumo às quartas de final da Copa do Mundo de Futsal da FIFA Uzbequistão 2024. Também jogador do Barcelona, cumprindo uma espécie de profecia por ele publicada nas redes sociais do clube catalão.

Aos 24 anos, Neguinho é o jogador mais jovem da seleção que tem a maior média do Mundial. Para se ter uma ideia, o próximo da fila é o ala Leandro Lino, com 29. “Mas muita gente não acredita quando conto minha idade. Acho que por ser um cara bem tranquilo e por ter um pensamento mais avançado para essa idade”, diz o jogador, pai de Maria Antonella, 3.

Para quem conhece a trajetória dele e de sua mãe, saindo da comunidade do Jardim Miliunas, no extremo leste da metrópole São Paulo para chegar à liga espanhola de futsal ou a um destino tão longínquo como a cidade de Bucara, faz muito sentido que ele fale com tanta maturidade.

Sem que o pai estivesse por perto, eles batalharam para que o jovem João Victor pudesse construir uma carreira no esporte. Empregada doméstica, Eliane sempre dava um jeito de reservar algum dinheiro – o que desse – para pagar as passagens de ônibus. E lá partia Neguinho, enfornado num ônibus cheio, sem ar-condicionado, em viagens que às vezes poderiam durar até duas horas até chegar ao clube. Quando voltava, por volta de umas 23h, ao menos o trajeto era bem mais rápido.

Com o tempo, porém, foi ficando claro que o investimento fazia sentido. Neguinho chegou a jogar futebol de campo pelo Juventus, enquanto era cobiçado pelo futsal do Corinthians. Na terceira abordagem do Timão, decidiu, enfim, aceitar a mudança para as quadras, e o resto é história.

FIFA: Como está sendo viver para você a Copa do Mundo de Futsal?

É algo sensaciona. Estar numa Copa do Mundo, ainda mais sendo o mais jovem da Seleção disparado, com 24 anos. Estar num time desses aqui que tem milhares de craques para escolher é um sonho realizado. O que preciso fazer é tentar aprender cada dia mais com eles, e não só com os jogadores, mas também com os técnicos. Seja no treino, no jogo, numa conversa. Você também observa a atitude deles e tenta aprender tudo o que der. S Só posso me sentir privilegiado de estar vivendo isso tão jovem, numa Copa do Mundo, com uma seleção top.

Sabemos que estão todos bem concentrados aqui, querendo o título. Mas rola ainda alguma brincadeira por você ser o novato do grupo?

Quem brinca mais assim comigo é o Marquinhos. Com os jogadores, acaba sobrando para mim, mesmo, é na hora do bobinho. Aí não tem jeito, por ser o mais novo, sempre começa comigo. Mas é interessante. A maioria meio que não acredito que tenho essa idade. Talvez pelo meu jeito de ser. Sou um cara tranquilo, de boa, acho que tenho um pensamento muito avançado para a idade que eu tenho. Já sou pai, né? Você muda. Então muita gente não acredita quando falo que tenho 24 anos. Mas também já ouvia disso quando tinha 17, 18 anos.

Além de o jogador mais jovem, você talvez seja o jogador mais leve da Seleção. Então de onde vem tanta força na perna assim, para saírem os foguetes que você tem convertido no torneio?

Então, é algo que eu procurei aperfeiçoar depois de sempre escutar sobre isso, sabe? Quem está ao meu redor, quem trabalha comigo costumava dizer que eu tinha tudo, menos o chute. Que não só precisava melhorar a minha finalização como também precisava chutar mais. Procurei absorver isso. Gosto sempre de trazer os bons conselhos de quem treina comigo. E graças a Deus agora está dando resultado. Estou finalizando mais e fazendo os gols.

Mas você imaginava que, ao chegar às quartas de final, já estaria com quatro gols marcados?

Eu acreditava que iria fazer gol. Vim aqui focado nisso, mas claro que não sabia quantos seriam. Mas é sempre bom. O que eu priorizo sempre é ajudar a Seleção de qualquer forma. O objetivo de todos aqui é ser campeão. É o que importa para mim. Se a gente pudesse ser campeão sem que eu fizesse nenhum gol, tava ótimo. Trocaria esses quatro gols e qualquer outra coisa pelo título. Acho que minha principal característica é dar meu máximo. Seja jogando um minuto, dez ou 20. Procuro me doar o máximo a cada momento pela Seleção ou pelo meu clube.

Bom, agora você é jogador do Barcelona.

É meio inexplicável. Sempre foi um sonho meu jogar no Barcelona, que para mim é o maior clube do mundo. Mas sempre tive em mente que tinha condições de jogar na Europa e que faria de tudo para chegar lá. Só tenho de agradecer por viver isso tão jovem. Se Deus quiser, espero poder ficar ali e com a Seleção por mais de dez anos.

É verdade que, quando mais jovem, você fez um post nas redes sociais de que um dia seria jogador do Barcelona. Algo como em cinco anos e que, agora, a meta foi cumprida em ainda menos tempo?

Foi isso mesmo. Eu me lembro: tinha acabado meu treino no Corinthians – eu tinha acabado de subir para o profissional. Eu me sentei, peguei meu celular e pensei: ‘Mano, vou mandar uma mensagem para o Barcelona’. E acabei mandando no Instagram deles. Escrevi: ‘Daqui a cinco anos estarei aí’, e tal. E aí eles não me responderam até hoje [risos].

Bom, talvez eles tenham te respondido com um contrato?

Sim [risos]. O mais importante é que deu certo e estou muito feliz, pô. E agora é só desfrutar, né? Quando eu fui lá fazer os exames, parecia que eu estava sonhando, quase me belisquei. Mas aí até falei para o supervisor de que havia mandado essa mensagem e que não haviam me respondido.

Só dá para imaginar que sua mãe esteja muito orgulhosa disso, certo? Depois de todo o esforço que você e ela fizeram para sua carreira acontecer.

Minha mãe… é muito orgulho para ela. Passamos por muita dificuldade na infância. Tem algo que falei para poucas pessoas… Mas, quando tinha uns três anos de idade, meu cabelo começou a cair. Foi um princípio de alopecia por causa do emocional porque não tinha meu pai perto. Nessa idade também meus pés começaram a entortar. Quando fomos ao hospital, o médico disse que eu precisava ficar com eles enfaixados, e aí eu só podia ficar no sofá. E hoje sou jogador de futsal. Da Seleção e do Barcelona. Quem diria, né? Poderia estar com os pés tortos.

E, depois, à medida que você vai crescendo, vem todo o esforço dela para você conseguir construir uma carreira de jogador. O que não é algo tão simples assim?

Ela tem muita… para falar a verdade, a maior parte disso tudo vem dela. Nunca vou ter palavras suficientes, de gratidão, para falar do tanto que ela me ajudou. Toda a perseverança dela, toda a paciência, o amor. Porque não foi fácil. Para ajudar em casa, ela podia muito ter me mandado trabalhar desde pequeno, como aconteceu com vários amigos meus. Se Deus quiser, agora vou poder levá-la para a Espanha para conhecer, passar um tempo comigo e minha família. Não vejo a hora que isso aconteça.

Ela continua trabalhando como doméstica?

Ainda continha, sim, mas acredito que já, já ela poderá sair. É meu sonho fazer que ela pare. Mas agora ela também está fazendo uns cursos para começar a trabalhar de babá, com a patroa dela.